DESTAQUE MÚSICA

ENTREVISTA: Salloma Salomão

O multiartista, pesquisador e educador Salloma Salomão realizou no mês de janeiro o show em comemoração aos seus 40 anos de trabalho criativo. O evento, acompanhado pela Sincrônica Al Andaluz e as participações especiais de Fabiana Cozza, Allan Abadia e Maurício Pazz, marcou a estreia do décimo álbum da carreira do artista, “Ancestres de Prima Vera”.

O Música e Mais bateu um papo com Salloma Salomão, que falou sobre o mais recente projeto e o consumo de música com o passar dos anos. Confira:

De onde surgiu o ‘Ancestres de Prima Vera’?

Surgiu ao lingo de um tempo ouvindo álbuns como Clube da Esquina e os primeiros álbuns de Milton Nascimento. Depois álbuns ou músicas avulsas de Chiquinha Gonzaga, Tania Maria, Roberto Branco, Waltel Blanco, Johnny Alf, Moacir Santos, Baden Powell e outros mbambas . Mas um Dj de NY apaixonado por música brasileira fez um comentário interessante. Que o mundo burguês geralmente torce o nariz quando um músico negro se atreve a trabalhar com uma massa sonora que não sejam pequenos conjuntos.  Essa é uma imposição econômica , estética e política , a precariedade material, a qual estamos submetidos. Ele falava sobre a obra de Duke Ellington e quanto era era criticado mesmo no auge da carreira, quando tentava transformar sua big bando numa orquestra de fato. Então pensei grande desde jovem, mas esbarrei exatamente nisso. Estando velho, já nào me deixo vencer pela insegurança e a experiência de vida me ensinou a driblar as limitações materiais e técnicas. Então foi o que fiz nesses últimos quatro anos.

São dez álbuns lançados. O que mudou do primeiro até aqui?

As tecnologias mudaram, o entretenimento mudou muito, de baixo para cima e de cima para baixo. A música, cinema-streaming e os esportes são as atividades mais lucrativas do mundo do entretenimento. Os artistas in dependentes ainda lutam duramente para se impor em algum espaço. Mas está mudando para melhor na minha opinião, porque a tecnologia está permitindo uma explosão criativa, devido ao acesso de tecnologias de captura, tratamento  e difusão musical. Eu que pensei que fosse acontecer no começo dos anos 2000 porque tinha feito minhas primeiras gravações domesticas utilizando o computador em casa. Mas esta vindo agora.

Como você enxerga o consumo de música de lá pra cá?

O sertanejo universitário ultimamente está em queda vertiginosa após a morte de Marilia Mendonça. No Brasil a última onda pesada de cultura musical de classe alta imposta a população geral foi o Pop Rock Nacional  com bandas brancas de  São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Brasília. De certa maneira o sertanejo universitário ( (agro boy music fest) tem ainda vem dessa vertente. Mas o pagode e Rap ou REP quebraram essa hegemonia e instauraram um universo de bailes-shows discos e festas que abriu um campo de onde veio Racionais, Thaide, RZO , Pavilhão, DMN. Depois toda universalização de musica vindas de diversas regiões do País, Música negra baiana, pernambucana, amazônica, etc. Os principais conteúdos, que passaram ocupar espaço de mercado foram o Pagode e o FUNK. Literalmente vindos do submundo, feito de gente negro-mestiça urbana pobre, desprezada tanto como criadora, como consumidora de música. Isso foi incontornável para os capitais empregados no entretenimento, os veículos tiveram que se abrir. Agora estamos entrando numa nova fase que é o surgimento de micro mercados ou nichos, dos quais antes de falava até com certo desprezo, mas agora parece que é possível superar  aquela fase dos rolos compressores de produtores brancos sudestinos comendo sozinho tudo que era plantado.  

 

Fala um pouco sobre a ligação de seu trabalho com o teatro…

Estudo e brinco teatro desde a adolescência de forma livre. Minha primeira Banda chamava-se Circo Novessência porque pretendia unir Musica, Dança, Teatro e Circo numa coisa só. Não conseguimos porque nossa condição de vida em começo da década de 1980 era muitíssimo precária, com sub emprego e a fome batendo na porta ameaçando invadir. Trabalhei na FEBEM na montagem de duas peças com um mulher muito esnobe, ex diretor aposentada e decadente de teatro chamada Ana Maria Dias. Como professor de escola pública utilizei técnicas de teatro para ministrar aulas menos entediantes. Fui escrevendo e engavetando textos de um certo cunho didático entre os anos 1980 e 1990.  Em 2003 ganhei o premio Ruth de Souza da Secretaria Estadual de Cultura por uma peça escrita no período anterior.  Nos anos seguintes uma sobrinha minha se formou na ELT, Escola Livre de Teatro de Santo André e uns amigos e maigas da quebrada sul constiutiram seus próprios grupso teatrais, Eu me aproximei deles e delas como publico de um teatro negro que eu conhecia desde a infância ( meus irmãos montaram Arena Conta Zumbi de Guarnieri e Boal, quando eu tinha 7 anos). Desde então comecei a me munir de textos teóricos e artísticos de teatros negros. Também passei a acompanhar as montagens nessa seara que foi se alastrando a partir das periferias. Desde lá escrevi e publiquei livros, artigos, orientei pesquisa, participei de grupos e coloquei na rua uma OPERA ROCK, agosto na cidade murada. Participei do elenco de Gota Dágua Preta e Agora fomos premiados com A Fuzarca dos Descalços, com o Premio Zé Renato da Secretaria Municipal de Cultura.

 

Quais os planos para os próximos meses de 2024?

Não sei ao certo o que vai acontecer nos próximos anos. Fiz minha vida assim, mas poderia e ainda pode ser de outro jeito. A vida e a História e de certa maneira são guiadas e pelo acaso, tento governar minha vida, mas nada é definitivo, somente a morte quando ela vier. Não estou nada ansioso.  Tenho três álbuns em parcerias para lançar esse ano. Um outro álbum sendo desenhado com Romulo Alex. Enquanto tiver saúde física e mental pretendo me relacionar criativa e afetivamente com as pessoas e com o mundo.

 

Foto: Nego Júnior

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