Um dos compositores mais celebrados da música mundial, Chico Buarque foi relido até em ritmo de rock: Cássia Eller gravou “Partido Alto” no álbum “Acústico MTV”, de 2001, e Pitty fazia citações do mesmo samba entre um ou outro ataque de guitarras. Mas há quem consiga tirar o repertório do compositor do lugar comum. O DVD “Eduardo Rangel & Quarteto Sinfônico Interpretam Chico Buarque” traz um olhar erudito para clássicos do mais carioca dos autores paulistanos. É praticamente uma récita de música de câmara da MPB.
Nas entrevistas de divulgação, Rangel e Joaquim França, arranjador, pianista e diretor musical do projeto, explicam o desafio de transpor o universo chicobuarquiano para um meio mais, digamos, “elevado” – o que é bastante comum, em se tratando de Chico Buarque. Em seis décadas de carreira artística, ele trabalhou ao lado de arranjadores como Francis Hime e Luiz Cláudio Ramos, e muitas de suas criações trazem influências de autores eruditos – um bom exemplo é “A Ostra e o Vento”, inspirada em “Prélude à làprès-midi d`un Faune”, do impressionista Claude Debussy (1862-1918). França ressalta a riqueza melódica e harmônica de Chico e chega a compará-lo com os românticos do século XIX Richard Wagner e Johannes Brahms.
A transposição das canções para o universo erudito ficaram a cargo do maestro Joaquim França e a execução é do Quarteto Sinfônico, formado por músicos da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro. Além do piano elegante de França, o quarteto se completa com o violino de Daniel Cunha, o violoncelo de Ocelo Mendonça e o contrabaixo de Oswaldo Amorim.
Os instrumentistas convidados são Ytto Morais (percussão e efeitos) e Marcio Vieira (pancorde, baron, flutuô e girassino). Engenheiro e músico, Márcio constrói os instrumentos, executados em “Ciranda da Bailarina”. As releituras estão além do trivial de lançamentos dessa categoria. Existe uma reinvenção dessas composições. “A gente fez com a maior simplicidade possível”, diz França. A alegada simplicidade, contudo, traz ousadias e reinvenções. “Bem Querer”, faixa tirada do disco ao vivo de Chico Buarque e Maria Bethânia de 1975, ganhou a adição de um belo solo de violoncelo; “Samba e Amor”, de 1970, tem um casamento exemplar de violino com a marcação do tamborim. Outras surpresas vão se revelando ao longo das onze composições do DVD.
Na posição de intérprete, Eduardo Rangel dá um tom singular às criações de Chico. Descoberto por Herminio Belo de Carvalho em 1979, aos dezesseis anos, ele se destaca tanto no trabalho autoral quanto em releituras de cânones da música brasileira. Além da voz distinta – aguda, um quase soprano -, ele sobressai ao dar ares teatrais a canções como “Jorge Maravilha” e “Ciranda da Bailarina”. “Eduardo Rangel & Quarteto Sinfônico Interpretam Chico Buarque” é uma maneira singular de homenagear um dos grandes autores do cancioneiro brasileiro e mundial.
Foto: Alexandre Magno